"Entrei numa sala onde me obrigaram a tirar a roupa. Da sala
ao lado, eu ouvia os gritos dos torturadores e a voz de Dilea respondendo. Percebi
que minha mulher começava a ser torturada. Em seguida, ficou mais difícil
imaginar o que acontecia com ela, pois passei a levar choques elétricos por
todo o corpo, inclusive no pênis.

Até então, eu imaginava que o interrogatório seria como o
que vira em filmes, quando o preso tem de responder mil vezes à mesma pergunta.
Só que não havia perguntas – apenas um bordão:
- Fala, filho-da-puta!
Cada vez que eu perguntava o que eles queriam saber, nova
descarga elétrica. Afinal, me rendi. Não resisti como Henry Alleg ou como
tantos militares que morreram sem dizer uma palavra. Não cheguei ao limite da
resistência física, como os que sofreram dias, semanas, meses antes de ceder.
Nem sequer tive de enfrentar o jogo terrível de ganhar tempo inventando
histórias falsas, para permitir que outros militares tivessem tempo de escapar.
Meu limite estava na sala ao lado. Tinha 1m60, uma filha de seis meses, cabelos
louros e olhos azuis.
Entre um choque e outro, escutando os gritos de Dilea,
falei o nome dos cinco companheiros da base dos jornalistas a que eu pertencia.
Também entreguei a base em que militara na faculdade – mas, naquele momento,
tentei preservar Vlado e os jornalistas mais velhos, com quem me relacionara
recentemente. Não sei precisar quanto tempo isso durou, mas finalmente fui
levado para uma cela.
Algum tempo mais tarde, o carcereiro apareceu diante da
grade, com um capuz na mão, e lá fui eu para novo interrogatório. Sem saber com
quem falava, logo percebi que meu interrogador sabia quanto se arrecadava
mensalmente entre os jornalistas e o valor das contribuições individuais. Me
rendi à aritmética e dei o nome de outros seis militantes, entre eles, o de
Vladimir Herzog."
MARKUN, Paulo. Meu Querido Vlado - A história de Vladimir Herzog e do sonho de uma geração. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005
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